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Dean Buonomano: “O nosso cérebro não é moderno”

EVOLUÇÃO - 16/09/2011 22h15 - Atualizado em 18/09/2011 11h58 Por ALBERTO CAIRO.




Dean Buonomano: “O nosso cérebro não é moderno”

O cientista americano diz que nossos erros – e boa parte de nosso comportamento – são explicados por heranças primitivas na forma de raciocinar.

 





O cérebro humano é um conjunto de 100 bilhões de neurônios e 100 trilhões de conexões entre eles, um aparato imponente e... cheio de falhas: a memória nem sempre funciona, a capacidade de cálculo é limitada e, definitivamente, não parecemos adaptados às exigências do mundo moderno. Esse é o tema central do livro O cérebro imperfeito – Como as limitações do cérebro condicionam as nossas vidas, publicado no Brasil neste mês. Seu autor é Dean Buonomano, de 46 anos. Doutor em neurociência pela Universidade do Texas, ele viveu 15 anos no Brasil e estudou biologia na Universidade de Campinas (Unicamp). No livro, afirma que as falhas do cérebro são fruto da evolução. “Para sobreviver no mundo primitivo, era mais importante entender contextos do que memorizar nomes e quantidades”, diz ele.

_ (Foto: Divulgação)

Professor no Departamento de Neurobiologia e Psicologia da Universidade da Califórnia, em Los Angeles. É doutor em neurociência e especialista nos mecanismos cerebrais de aprendizagem. Publicou: O cérebro imperfeito – Como as limitações do cérebro condicionam as nossas vidas, a ser lançado neste mês no Brasil pela editora Elsevier.

 
ÉPOCA – Em seu novo livro, o senhor afirma que o cérebro humano é a máquina mais complexa que se conhece, mas aponta problemas em seu funcionamento. Poderia nos dar um exemplo?

Dean Buonomano – Se você memorizar as palavras bala, chocolate, paçoquinha e chiclete e, logo em seguida, eu perguntar se a palavra doce está entre elas, você provavelmente precisaria pensar por alguns instantes antes de responder. Doce não estava na lista, mas, como todas as demais palavras se referiam a doces, o cérebro se confunde. Não seria assim se eu perguntasse pela palavra capivara. Por nada ter a ver com as demais, ela seria rapidamente descartada. Isso acontece porque nossa memória não armazena itens. Ela funciona relacionando conceitos e significados, como na lista de doces. Isso pode ser bom em alguns casos, mas uma fonte de problemas em outros.



ÉPOCA – Há outras falhas além dessa?

Buonomano – Sim. O cérebro não foi moldado para ter a capacidade de cálculo de um computador, que é o que se quer exigir dele hoje em dia. Isso se explica em parte pelo processo de evolução por seleção natural.



ÉPOCA – As falhas do cérebro estão relacionadas à evolução?

Buonomano – Nosso cérebro está adaptado para um passado remoto, quando não era necessário lidar com números da forma como somos exigidos hoje: temos de lembrar de telefones, senhas e estatísticas. O cérebro não evoluiu para essas necessidades, e os neurônios também não parecem estar preparados para processar números. No mundo primi­tivo, se você via um ninho de cobras, não precisaria contar se eram dez ou 12. Bastava saber que eram muitas e fugir.



ÉPOCA – Nossa bagagem evolutiva explica os problemas das pessoas com o planejamento financeiro?

Buonomano – Sim. É isso que faz com que nossas decisões sejam influenciadas pelo curto prazo. Em termos evolutivos, faz todo o sentido. Se você oferecesse uma maçã a um homem que viveu há cer­ca de 100 mil anos, ele a pegaria naquele momento, mesmo se você prometesse, em troca da recusa, duas maçãs para a próxima semana. O raciocínio é de sobrevivência. Diante da opção de obter uma uva imediatamen­te ou duas pouco depois, até os macacos mais bem treinados não resistem à tentação por dez segundos.



ÉPOCA – Existe então uma luta entre um sistema de tomada de decisões intuitivo, emocional e, portanto, primitivo e outro mais reflexivo, resultado do planejamento e da análise?

Buonomano – Certamente. Em muitos casos, o raciocínio automático pode dominar em um primeiro momento. É como disse logo no início: se você perguntar a alguns amigos o que as vacas bebem, parte deles dirá leite. Isso acontece porque, quando criança, aprendemos a associar vaca com leite, e os neurônios que codificam as duas palavras aprendem a se ativar ao mesmo tempo.


 

O cérebro não foi moldado para ter a capacidade de cálculo de um computador que se exige dele hoje em dia. Se nosso ancestral via cobras, corria, não contava AutorÉPOCA – Isso pode ser usado contra nós?

Buonomano – O cérebro humano pode ser convencido inconscientemente. Ele pode associar conceitos caso seja exposto de forma contínua e prolongada a alguns estímulos. É o que fazem os publicitários com imagens, sons e aromas. Um bom exemplo disso é o tabaco. Poderosas campanhas de marketing no século passado levaram a associar o cigarro a um estilo de vida exclusivo. O resultado foram milhões de mortes, que poderiam ter sido evitadas. Essas associações, de certa forma, tornaram-se um problema social grave.



ÉPOCA – Os avanços na neurociência mudaram a forma como policiais e juízes lidam com as pessoas?

Buonomano – Estão mudando. Há algumas décadas, a polícia pedia para uma testemunha identificar um criminoso apresentando mais de uma pessoa ao mesmo tempo. Hoje sabemos que isso é problemático, porque o cérebro se sente forçado a fazer uma escolha. É melhor mostrar os suspeitos um a um. Sabe-se também que é melhor fazer perguntas abertas e neutras do que questões bem específicas. Se você está entrevistando a testemunha de um acidente de carro, não deve perguntar com que velocidade o carro teria se arrebentado contra a parede. A escolha do verbo pode induzir uma resposta errada. O verbo destruir predispõe quem o ouve a imaginar uma velocidade maior do que a real. “Chocar-se” seria uma alternativa melhor.



ÉPOCA – Levando-se em conta as adaptações evolutivas, pode-se imaginar que a xenofobia é uma dessas falhas cerebrais?

Buonomano – Minha hipótese é que o cérebro está predisposto a desenvolver medos seletivos por certas coisas que eram ameaças graves no passado, como as cobras. Muitos pesquisadores acreditam, e eu concordo, que também estamos predispostos a desconfiar de gente que é muito diferente de nós. Hoje pode ser um erro, mas era uma boa adaptação no passado.



ÉPOCA – Por quê?

Buonomano – A competição entre grupos é um componente da evolução. Ela permite aos animais se protegerem coletivamente e manterem sob controle os alimentos e os parceiros sexuais. No caso dos humanos, alguns pesquisadores pensam que desconfiar de estranhos era uma maneira de evitar contágios. Pense no que aconteceu quando os europeus chegaram à América. Nativos morreram de doenças que não existiam no continente até então.



ÉPOCA – A tendência em acreditar no sobrenatural é um produto da evolução?

Buonomano – A crença em espíritos, bruxas e diabos é universal. Isso ocorre pela necessidade de encontrar causas para o que acontecia. Como seria possível para um homem primitivo não acreditar em forças superiores diante da morte? Nossos ancestrais não tinham conhecimento para explicar situações complexas. A crença no sobrenatural talvez tenha permitido que o cérebro não se aprofundasse em questões abstra­tas, como o sentido da vida – e gastasse mais energia em coisas práticas que garantissem a sobrevivência, como a melhor forma de achar comida.



ÉPOCA – É possível evitar os efeitos das falhas cerebrais?

Buonomano – O mais incrível da mente humana é que, mesmo sendo o produto da evolução, ela é capaz de analisar a si mesma. A melhor forma de se proteger contra a herança de nosso passado é aprender como o cérebro funciona.



ÉPOCA – Quanto disso tudo o senhor aprendeu no Brasil?

Buonomano – Fui morar em Campinas quando tinha 7 anos. Meu pai aceitou um emprego de professor no Departamento de Matemática da Unicamp (Universidade de Campinas). Foi muito bom crescer com um pé em cada cultura. Mesmo com algumas diferenças culturais, somos muito parecidos. Voltei aos Estados Unidos com 22 anos, mas me considero 50% brasileiro, e volto sempre que posso para visitar os amigos.

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